Eduardo Tadeu Pereira (PT), Presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM), fala sobre temas de interesse geral dos municípios e de suas gestões à frente da entidade.
Na 3ª semana de junho de 2015, o Senado Federal iniciou seus trabalhos com a chamada de retomada das discussões sobre o Pacto Federativo, através de comissão criada para discutir a reforma nas relações entre os entes federados (município, estado e governo federal). O mesmo Senado aprovou na quarta-feira, 17 de julho, requerimento de urgência para a votação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 298/2015, que trata da repatriação do dinheiro remetido ao exterior, sem a devida apreciação da Receita Federal; vista como primordial pela equipe econômica do governo para captar mais recursos tanto para o ajuste fiscal quanto para os esforços do pacto federativo.
Os exemplos são só para se ter ideia da importância e premência da discussão do tema Pacto Federativo no país. O pacto permanece; não só como foi previsto na Constituição de 1988, como também na atual distribuição de verbas e atribuições de papéis dos entes; ou precisa de ajustes imediatos, até porque os municípios assumiram, nessas três décadas, atribuições extras? No calor dos debates, um player importante para se sentar à mesa e discutir o tema é a Associação Brasileira de Municípios (ABM), entidade representativa e porta-voz dos 5.570 municípios do Brasil. A entrevista a seguir, que a revista Prefeitos&Gestões Brasil fez com o presidente da associação Eduardo Tadeu Pereira, (2012-2015 / 2015-2018), trata do Pacto Federativo e também destaca os Encontros Regionais promovidos pela ABM, em 2015, cujo tema principal é “Aprimorando o Pacto Federativo”.
P&G BR: O cenário político e econômico hoje no país está um tanto conturbado. Evidentemente, muito por conta das reformas suscitadas pelo governo federal, principalmente, o ajuste fiscal e reforma política. Qual a contribuição da ABM para que as mudanças venham contemplar municípios, as nossas instituições e a população de modo geral?
Eduardo Tadeu: A ABM tem dialogado muito com a União e com o Congresso sobre a necessidade de aprimoramento do Pacto Federativo e os principais desafios dos municípios. Estamos debatendo a ampliação da participação das Prefeituras no orçamento público e na divisão do bolo tributário, uma vez que as limitações financeiras têm dificultado o trabalho dos governos locais. Entre as nossas reivindicações em relação às questões financeiras está a revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma que ela passe a assegurar que as administrações municipais sejam ressarcidas pelos serviços que vêm gradativamente assumindo e que são responsabilidade dos Estados e da União. Ao longo de sua trajetória de 70 anos, a ABM conheceu profundamente os dilemas do municipalismo e constatou que as dificuldades das Prefeituras transcendem as questões financeiras. Por isso, estamos trabalhando para que as mudanças no pacto assegurem mais capacidade de gestão aos municípios, de forma a proporcionar a capacitação dos técnicos e gestores municipais para elaboração, acompanhamento e prestação de contas de projetos; e também melhores condições de gestão, através da revisão de leis, como a de licitações e de consórcios. Outro foco no aprimoramento do pacto federativo trata-se das relações com o Judiciário e órgãos de fiscalização e controle, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas. É preciso combater a judicialização da gestão e criminalização dos agentes políticos, tendo em vista que a interferência desses órgãos tem impedido e prejudicado o andamento de políticas públicas importantes para a população e afastado os bons gestores da política.
P&G BR: A Constituição de 1.988 instituiu o município como ente federativo (Artigo 1º). Nesse contexto, podemos citar os Encontros Regionais promovidos pela ABM, cujo tema principal é “Aprimorando o Pacto Federativo”.Como são formatados os Encontros Regionais? Ocorrem nas 5 regiões do país?
Eduardo Tadeu: Em 2014, promovemos o I Encontro Nacional de Municípios em Brasília/DF e o evento foi um sucesso. Decidimos então, em 2015, reproduzir a iniciativa em formato regional, envolvendo a articulação das entidades estaduais e facilitando o acesso dos prefeitos e gestores do país às atividades, tendo em vista que muitos não têm condições de se deslocar até Brasília. São cinco edições: Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Norte e Nordeste. Definimos o aprimoramento do Pacto Federativo como foco dos encontros porque estamos em um momento decisivo dessa discussão, tendo em vista que os municípios estão muito apreensivos com o cenário de crise e contingenciamento e extrapolaram o limite de sua capacidade em arcar com serviços que são de responsabilidade de outros entes federativos. Além disso, o Congresso criou comissões especiais para abordar essa questão e é fundamental discutirmos com os prefeitos (as) e gestores (as) municipais de forma ampla e abrangente quais são suas propostas para o aprimoramento do pacto, afinal eles estão na linha de frente na execução das políticas públicas e são os agentes políticos mais próximos da população.
P&G BR: A ABM considera que os municípios brasileiros hoje têm participação efetiva no Pacto Federativo brasileiro? Considere que os governos estaduais têm alguma ingerência através de seus senadores e deputados estaduais no Congresso Nacional. Alguma sugestão de mudança?
Eduardo Tadeu: O Pacto Federativo brasileiro é um dos mais avançados do mundo quando analisamos a participação dos municípios, que hoje são protagonistas na execução de políticas públicas não apenas locais, mas também federais. O programa Bolsa Família, por exemplo, tornou-se viável pois as Prefeituras desenvolvem todo o processo de busca ativa e cadastramento das famílias; no PAC e Minha Casa Minha Vida, a elaboração dos projetos e execução das obras também são funções desempenhadas pelos governos municipais. Inclusive nossas cidades têm tido uma grande importância no processo de cooperação descentralizada, sobretudo com municípios da África e América Latina, devido ao modelo avançado de pactuação federativa e a experiências de inclusão, participação e gestão desenvolvidos nas nossas cidades. É fundamental que os municípios tenham essa importância no pacto, mas é importante também estabelecer novas regras de financiamento e apoio às responsabilidades que recaem sobre a esfera municipal, por isso defendo o aprimoramento do pacto e não a construção de um novo. Nesse contexto é fundamental repensar o papel dos Estados, que devem assumir melhor suas funções e subsidiar a atuação das Prefeituras. O Congresso também tem seu papel na pactuação entre os entes federativos. Muitas vezes deputados e senadores aprovam leis que geram novas despesas às administrações municipais, como a implantação dos pisos salariais, sem apontar a fonte de recursos, o que onera os cofres municipais. Por isso, a ABM está reivindicando a criação de uma Mesa Federativa no Congresso, para que as entidades municipalistas participem desse tipo de debate antes da aprovação de leis.
P&G BR: Ainda no contexto do Pacto Federativo, qual a posição da ABM quando à centralização da arrecadação de impostos pelo governo federal (cerca de 80% da arrecadação total fica em Brasília). Se o governo federal arrecada, ele também gera os mais importantes programas sociais, de infraestrutura, etc.
Eduardo Tadeu: Na atual divisão do bolo tributário a União detém 57,5% dos recursos, os estados 24% e os municípios 18,5%. É indiscutível a necessidade de uma distribuição mais justa, tendo em vista que desde a constituição de 1988 os municípios vêm gradativamente assumindo novos serviços. Estamos reivindicando a retomada das atividades do Comitê de Articulação Federativa (CAF), que é um importante canal de diálogo entre os municípios e o Governo Federal, para a discussão de novas formas de pactuação. Porém, a realidade de dificuldade dos municípios não é reflexo apenas da parcela de recursos que a União detém. Os Estados estão se omitindo de muitas responsabilidades, a exemplo da segurança pública, encerramento dos lixões – que exige que os governos estaduais realizem estudos de regionalização para implantação dos aterros-, entre outras. É preciso rediscutir o papel de cada ente e definir formas de ressarcir os municípios quando eles tiverem despesas que não estejam definidas como suas responsabilidades no pacto.
P&G BR: A ABM é uma entidade que, sobretudo, trabalha para que o municipalismo ganhe mais força e corpo no país. Fale dos projetos, ações e expectativas determinadas pela entidade nesse sentido. Destaque os esforços para a capacitação e qualificação dos gestores municipais.
Eduardo Tadeu: Acreditamos que a dificuldades dos técnicos e gestores municipais em elaborar, acompanhar e prestar contas de projetos hoje é um entrave para o desenvolvimento de muitos municípios. Grande parte das prefeituras brasileiras não dispõe de equipes qualificadas para essa função. Por isso, estamos formulando um sistema nacional de assistênica técnica aos municípios, que possa oferecer apoio e orientação às prefeituras na obtenção de recursos e no desenvolvimento dos municípios.Temos uma parceria com o SEBRAE no projeto ‘Municípios e Desenvolvimento Local, Apoio à Gestão Municipal’, que consiste em oferecer instrumentos para que as prefeituras incentivem o fortalecimento das micro e pequenas empresas, inserindo-as no processo de compras públicas e desburocratizando o processo de licenciamento. Também estamos propondo que a União implante um Sistema Público de Capacitação dos gestores públicos municipais, através da ampliação das ações da ENAP (Escola Nacional de Administração Pública) e ESAF (Escola de Administração Fazendária).
P&G BR: Entre outras atribuições, o Sr. foi ativo militante político, prefeito do município de Várzea Paulista (SP) por dois mandatos (2005 a 2012) e autor de livros. Esse curriculum contribuiu para efetivar uma boa gestão à frente da ABM durante sua primeira gestão (2012-2015)? Quais suas principais conquistas?
Eduardo Tadeu: Governar uma cidade como Várzea Paulista, uma das mais populosas e com um dos menores orçamentos per capita do estado de São Paulo, proporcionou-me grande experiência e me permitiu conhecer a fundo as dificuldades que grande parte dos prefeitos e prefeitas brasileiros enfrentam em seu dia-a-dia. Isso também abriu caminhos para que eu pudesse participar ativamente do movimento municipalista. Fui um dos coordenadores das Marchas Paulistas em Defesa dos Municípios, mobilizando prefeitos em torno de uma pauta de melhorias e buscando a abertura do diálogo com o governo estadual. Quando assumi a presidência da ABM, eu e os novos diretores nos deparamos com um cenário de estagnação e dificuldades financeiras. Passei o meu primeiro mandato “colocando a casa em ordem”. Resgatar uma entidade com sete décadas de história e tradição no movimento municipalista já foi uma grande vitória. Além disso, conseguimos reunir em nossa diretoria grandes lideranças das pequenas e médias cidades, assegurando a pluralidade ideológica e regional, com membros de 11 partidos entre os diretores, 30% de mulheres e representantes de todas as regiões do País. Nossa luta tem proporcionado muitos avanços na pauta municipalista, como o Programa Mais Médicos; a extensão do prazo para encerramento dos lixões, anunciado pelo Ministro Gilberto Kassab durante o Encontro Regional de Municípios Edição Centro-Oeste; a portaria Interministerial 507, que desburocratiza os convênios com a União; aumento do FPM e ampliação do diálogo com a União e o Congresso.
Matéria publicada na edição Julho-Agosto da P&G-BR