Você já deve ter ouvido falar de Maria Inês Fini, idealizadora do Enem e ex-presidente do Inep. Agora, ela está à frente da ANEBHI, Associação Nacional de Educação Básica Híbrida, e tem muito a dizer sobre os novos rumos da educação brasileira. Nesta entrevista exclusiva para a revista Prefeitos&Gestões, a professora doutora Maria Inês compartilha sua visão sobre as principais transformações que estão ocorrendo na educação no Brasil e como a tecnologia tem um papel fundamental nesse processo. Ela também aborda questões como inclusão, acessibilidade e equidade, bem como o papel da educação na formação de cidadãos críticos e conscientes.
Prefeitos&Gestões: Qual a avaliação da senhora sobre a gestão do ENEM nos últimos anos?
Maria Inês: O ENEM tem uma estrutura acadêmica bem consolidada desde sua criação. Possui um arcabouço logístico de aplicação de provas muito aprimorado ao longo dos seus 25 anos de existência. Os servidores do INEP que cuidam do exame são profissionais muito bem formados capazes de realizar o ENEM com sucesso cuidando de todas as suas dimensões. E foram esses servidores que resistiram e até mesmo enfrentaram a direção do INEP e do MEC dos últimos anos para que não acontecesse os abusos anunciados de interferências indevidas o que certamente levaria o exame ao descrédito de toda a sociedade.
Prefeitos&Gestões: Na opinião da senhora, no atual modelo, a avaliação do ENEM permite a universalização do ensino superior?
Maria Inês: Não é um exame o responsável pela universalização do ensino superior, aliás essa meta não é ambicionada em nenhum sistema educacional do mundo. Se fosse esse o caso, a oferta de vagas e uma boa educação básica seriam fatores preponderantes para a universalização. Mas é muito questionável objetivar essa meta.
Prefeitos&Gestões: Quais os desafios para que a prova possa ser mais acessível e igualitária, considerando o nível médio de conhecimento dos estudantes do Brasil?
Maria Inês : As provas são muito bem estruturadas com itens pré-testados que permitem calibrá-las com itens fáceis, de dificuldade média e difíceis para que todos os participantes consigam demonstrar tudo o que sabem. As grandes desigualdades socioeconômicas presentes em nossa sociedade aumentam o abismo entre aqueles que podem se preparar melhor e aqueles sujeitos às condições precárias seja na escola, na família e na sociedade em que vivem e isso se reflete no desempenho das provas. A pobreza impede, por exemplo, o acesso a bens culturais como teatro, literatura, esportes que impactam na consolidação da leitura compreensiva, tão importante para se sair bem no exame. Além disso, as escolas de nossas periferias não têm conseguido oferecer o suporte pedagógico e emocional necessários ao sucesso no exame.
Prefeitos&Gestões: Como o atual governo federal pode atuar no sentido de melhorar a qualidade do ensino e ampliar o acesso ao ensino superior?
Maria Inês: O Governo federal pode articular bons projetos com estados e municípios responsáveis pela educação básica para melhorar as condições de oferta nas escolas. Pode apoiar a formação de professores que estão na ativa; articular políticas de formação inicial de professores e gestores, robustecer o FUNDEB, entre outras e fortalecer os programas de apoio estudantil como o PROUNI e o FIES. Para além de ampliar as vagas no ensino superior público, é preciso que a universidade seja impulsionada a buscar a modernidade na oferta de seus cursos tendo em vista os desafios desse mundo globalizado.
Prefeitos&Gestões: A senhora poderia esclarecer qual foi a inspiração, ou seja, quais foram os insights que contribuíram para a criação do Enem?
Maria Inês : Sem dúvida alguma o grande inspirador para que criássemos o ENEM, foi Paulo Renato Souza, Ministro da Educação na época de sua criação. Ele queria um exame diferente que pudesse se tornar uma referência de qualidade para um vestibular nacional. Na ocasião o mundo discutia em Conferências Mundiais, novos parâmetros para educação de qualidade com um conceito mais abrangente de aprendizagem, amplamente apoiados pela literatura educacional. O Brasil foi signatário dos compromissos dessas conferências e um grupo de pesquisadores das universidades brasileiras, recrutados por mim e reunidos no INEP apresentou e implantou a proposta revolucionaria do ENEM.
Prefeitos&Gestões: Qual a opinião da senhora sobre os vestibulares (as provas seletivas criadas por algumas universidades, principalmente as privadas)?
Maria Inês: Quando se trata de vestibulares a premissa básica é a de que você tem mais candidatos e menos vagas. Então, um processo precisa ser desencadeado para você selecionar e classificar. O que a universidade deseja que seus ingressantes apresentam como condições de ingresso é que deve moldar o processo de seleção, porque é a universidade que terá que trabalhar para bem qualificar seus ingressantes. Qual seria a prova ideal? Atualmente a área de avaliação está passando por grandes processos de modernização com novos instrumentos para avaliar muitas competências além das tradicionais provas que avaliam conteúdos na memória. Muitas universidades estão dando prioridade a verificar o desenvolvimento sócio emocional, empatia, resiliência, capacidade de trabalho em grupo, de resolver problemas por meio de entrevistas, rodas de conversas em grupo e dando um valor menor às provas padronizadas de conhecimentos, embora ninguém consiga abrir mão de candidatos com bom domínio da escrita, leitura e oralidade além das estruturas lógico-matemáticas. Enfim, o mundo do trabalho está mudando muito rapidamente e a universidade precisa rever os perfis profissionais de seus cursos e os critérios que utiliza para recrutar seus estudantes.
Fonte: revista Prefeitos&Gestões ed. 81 março-abril 23