Segundo Fabio Feldmann, a cidade deveria empregar seu poder político junto ao governo federal e viabilizar projetos de sustentabilidade em diversas áreas
Ao buscar fontes para esta matéria, me deparei com o seguinte insight “Ledo engano o nosso ao acharmos que somos a coisa mais importante do mundo. Para a natureza e para o planeta, somos plenamente dispensáveis. Tudo pode continuar sem nós. A natureza e as demais espécies não são recursos naturais à disposição da espécie humana. O mundo deve rever seus conceitos e atitudes ou acontecerá com nossa civilização, e talvez com nossa espécie, o que já aconteceu com outras antes”.
Por outro lado, qualquer nação desenvolvida do mundo não foge ao ímpeto de querer colocar o ser humano no centro das discussões sustentáveis e propor um novo olhar para os problemas ambientais do mundo, sobretudo, dos centros urbanos. O ser humano dever ser o agente criador de conceitos, de informações, opiniões e fomentar o conhecimento da sustentabilidade para a população, órgãos do governo- responsáveis pelas decisões políticas- e setor privado, sensibilizando a todos para que trabalhem com vistas na transformação.
Vamos olhar um pouco mais para o nosso umbigo. Os problemas são inúmeros numa capital cosmopolita como São Paulo e, portanto, desafiadores,. Para falar não só dos problemas que a cidade atravessa na área ,como também das soluções eficazes que estão em curso, convidamos o Consultor do Meio Ambiente e Sustentabilidade Fabio Feldemann, eleito Deputado Federal por três mandatos consecutivos (1986 – 1998), atuou como Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1995 e 1998), recebeu em 1990 o Prêmio Global 500 das Nações Unidas e foi autor de parte da legislação ambiental brasileira.
Rios Tietê e Pinheiros
Segundo dados,as estações de tratamento de esgoto coletam e tratam 98% do esgoto doméstico da cidade, um número superior até aos índices de cidades como Londres. Mesmo assim, o rio Tietê e seu afluente urbano, o rio Pinheiros, são considerados biologicamente mortos. Mesmo tendo sido investidos bilhões nestes rios, os resultados foram ineficazes para a despoluição.
Fabio Feldmann: Em primeiro lugar, creio que esses 98% estão “inflados”, pois o município de Guarulhos continua lançando grande quantidade de esgoto no Tietê. Hoje, nos países desenvolvidos, o maior problema nos grandes centros diz respeito à chamada poluição difusa, isto é, aquela proveniente do transporte pelas águas de chuva (resíduos de maneira geral, que são carregados aos corpos d’água). Infelizmente, no Brasil, ainda estamos tratando daquela poluição derivada de esgotos domésticos e lançamentos clandestinos. No caso dos rios Tietê e Pinheiros, a situação melhorou, mas ainda está longe do ideal, qual seja, a de devolver estes rios às cidades, de modo que a população possa usufrui-los para atividades de lazer e esportes, como acontecia na época de nossos avós.
Lixo e Reciclagem
São Paulo produz 18 mil toneladas de lixo por dia. Só de resíduos domiciliares são coletados quase 12 mil toneladas. O município recicla apenas 1,3% desse lixo. Nos Estados Unidos, esse índice é superior a 30%; na Alemanha, chega a 67%. Segundo dados da própria prefeitura, 20% do lixo que vai para os aterros poderia ser reciclado. E veja: 60% do que é separado pelo cidadão em casa acaba indo parar nos aterros e misturado ao lixo comum.
Fabio Feldmann: São Paulo, como no restante do Brasil, não saiu do século XX no que tange à gestão de resíduos sólidos. No mundo, há muito tempo, se discute a ideia de se eliminar o “lixo”, na medida em que se dissemina o conceito de economia circular, isto é, a utilização das matérias-primas contidas no descarte para serem reintroduzidas na economia. Ressalte-se que apenas parte inexpressiva do que é descartado seria destinado a aterros sanitários. Fui o autor do primeiro Projeto de Lei que instituiu a ideia de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e acredito que a implementação desta, que se denominou logística reversa, pode ser um passo importante na direção correta. São Paulo é uma megacidade e, pela importância que tem no Brasil, poderia liderar a implantação dessa ideia de economia circular, desde que seus administradores tivessem uma visão de século XXI. Infelizmente, a maioria deles pensa com uma mentalidade do século XX. Ou até mesmo XIX.
Poluição
A capital paulista já ultrapassou a marca de 8 milhões de veículos e, segundo o registro de carros, motos, caminhões e ônibus, esse número continua crescendo. Para especialistas, a solução é investimento maciço em transporte público e a adoção do biodiesel, combustível feito de cana-de-açúcar que reduz em até 41% a fumaça preta.
Fabio Feldmann: O transporte é o aspecto mais estratégico da gestão de uma megacidade como São Paulo. Infelizmente, durante muitos anos, se imaginou que a Política de Uso do Solo seria o grande fator determinante da expansão da cidade, mas hoje já se tem consciência de que a disponibilidade de transporte público é o grande vetor definidor da vocação das partes da metrópole. São Paulo requer uma política urgente de transporte público sustentável, eficiente, barato e não poluidor. Hoje, há um entendimento entre todos de que o automóvel não é uma opção viável para São Paulo e, por essa razão, atualmente a bicicleta surge como um tema importante nessa agenda, além de outras modalidades de transporte não motorizado, como o andar a pé. É importante ressaltar que os governos federal e estadual devem compreender que os estímulos da indústria automobilística representam, a médio prazo, uma afronta à qualidade de vida e bem-estar dos cidadãos. À época em que instituímos o rodízio de véiculos em São Paulo, a frota era de 5 milhões de veículos. De lá para cá, esse número aumentou dramaticamente. Por sua vez, o metrô e outros serviços públicos de transporte tiveram alterações pouco significativas, especialmente em termos de qualidade. Talvez, por essa razão, as manifestações de 2013 tiveram como gatilho a deficiência dos serviços públicos de transporte.
Água
Conhecer bem o nível de consumo da água e suas fontes de desperdício é o primeiro passo para encontrar as melhores soluções. Alguns especialistas dizem que São Paulo está longe de superar falta d’água (vide crise do Sistema Cantareira em 2014), que o grande problema é de gestão e que é preciso adotar nova cultura de cuidado com a água.
Fabio Feldmann: A crise hídrica pela qual passamos não foi bem aproveitada para se discutir esta importante questão da gestão de água em São Paulo. Vivemos uma crise de disponibilidade que só teve similaridade com a crise da década de 1950, com a diferença de que hoje milhões de pessoas dependem, no seu cotidiano, dessa água. A operação de abastecimento de esgotos da cidade de São Paulo é operada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e acredito que o município poderia avançar muito nessa agenda, utilizando a sua posição de poder concedente. Recentemente, foi aprovada a Lei Federal nº 13.312/2016, que determina a medição individual do consumo de água, que é um passo fundamental para que as pessoas possam gerenciar melhor o seu consumo. No início da crise, a maior dificuldade da SABESP residia no fato de que grande parte dos condomínios não contavam com esse instrumento de medição individual. Com isso, as pessoas tendiam a não conhecer o significado do seu comportamento em relação à água. Mas gostaria de chamar a atenção para o fato de que as mudanças climáticas podem ter contribuído muito para a seca que vivemos, bem como para o aumento de chuvas muito intensas, com grandes impactos em São Paulo. Ou seja, é necessário se compreender que São Paulo tem que se preparar e se adaptar para as mudanças climáticas. Se não o fizer, as consequências são imprevisíveis.
Energia
A energia elétrica tem sofrido aumento das tarifas, o que aumenta o valor da conta de luz das residências e empresas não só na capital paulista, mas no Brasil todo. Portanto, é fundamental explorar alternativas para reduzir os gastos de energia e aumentar a eficiência no uso do recurso. Hoje, estão à nossa disposição outras fontes de energias renováveis, como solar, eólica, por exemplo. Segundo sua visão, o que estamos esperando para investir nessas novas fontes e alterar a nossa matriz energética?
Fabio Feldmann: Mais uma vez, existe uma enorme possibilidade de São Paulo liderar essa agenda de sustentabilidade. Como é sabido, as fontes renováveis estão ganhando espaço no mundo e no Brasil. São Paulo poderia ter um grande protagonismo, ao estimular o uso de energia solar e eólica, empregando o seu poder político junto ao governo federal e viabilizando a possibilidade de venda de excedentes dessa energia. Além, obviamente, de incluir nas mudanças em curso do Código de Obras iniciativas que estimulem práticas de sustentabilidade. Hoje, telhados verdes se tornam inviáveis, porque são computados como área construída. Enfim, São Paulo deveria estar liderando esta agenda, que, no campo das mudanças climáticas, se denomina mitigação, isto é, redução de gases efeito estufa.
Rev. P&G-BR ed. Julho-Agosto 2016