– O transporte elétrico, ainda limitado na América Latina apesar de seus benefícios urbanos, pode se expandir durante a recuperação econômica pós-pandêmica, afirma Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Se houver grandes investimentos na necessária reativação da economia, eles devem fazer parte de “uma transição para uma economia verde, em uma agenda para o futuro”, como já decidiram alguns países europeus, disse Maluf, que também é diretor da Brasil da chinesa BYD, maior fabricante mundial de veículos 100% elétricos .
“A transição para a mobilidade elétrica movida a energia limpa está começando a gerar interesse crescente entre os governos e também entre os cidadãos”, observa o relatório “ Mobilidade elétrica 2019: Status e oportunidades para colaboração regional na América Latina e no Caribe ”, publicado em espanhol em 2 de julho pela ONU Meio Ambiente .
Isso se reflete no “surgimento de diferentes grupos da sociedade civil dedicados a este setor e formados por entusiastas, early adopters e empresários”, de acordo com o relatório, que aponta para um maior impulso no transporte público nos 20 países estudados.
Em uma região que se urbanizou rapidamente, com 80% da população vivendo em áreas urbanas, e onde o número de grandes cidades cresceu, os veículos elétricos estão melhorando o meio ambiente, o transporte, a qualidade de vida e a saúde coletiva, além de abrir novas possibilidades econômicas e geração de empregos e inovações tecnológicas.
O transporte é responsável por 22% das emissões de poluentes climáticos de curta duração e 15% dos gases de efeito estufa da região, de acordo com o relatório do escritório regional da agência também conhecida como Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
A eletrificação de 100% do transporte urbano evitaria 180.117 mortes de 2019 a 2050 na Cidade do México, 207.672 em Buenos Aires e 13.003 em Santiago, ao eliminar os gases e partículas emitidas pelos veículos convencionais, estima o relatório.
A eficiência da eletricidade, muito superior à dos combustíveis fósseis nos veículos, oferece uma grande vantagem econômica no médio prazo.
O elétrico é mais caro por causa da bateria, que pode custar quase metade do total de um ônibus que pode rodar 200 quilômetros sem recarga, disse Iêda de Oliveira, diretora executiva da Eletra, empresa de ônibus elétricos fundada em 1988 em São Bernardo do Campo, próximo à metrópole brasileira de São Paulo.
A diferença de preço, disse ela à IPS daquela cidade por telefone, é recuperada em poucos anos com a economia de energia e manutenção, já que os motores elétricos têm menos peças e gastam menos.
As vantagens econômicas se acentuam em países que, como o Chile, dependem do petróleo importado e, por isso, sofrem os efeitos das oscilações dos preços internacionais e das variações cambiais.
O Chile se destaca na eletrificação de seu transporte urbano. A Rede de Mobilidade Metropolitana de Santiago tinha 386 ônibus elétricos no final de 2019. Serão quase 800 no final de 2020. A BYD (Build Your Dreams) é o maior fornecedor de ônibus elétricos do Chile, disse Maluf à IPS por telefone de São Paulo.
Além disso, o Chile estabeleceu uma meta de eletrificar toda a sua frota de transporte público e 40 por cento do transporte privado até 2050, como parte da Estratégia Nacional de Eletromobilidade aprovada em 2016.
A Colômbia também se destaca, com 483 ônibus elétricos em operação ou encomendados em Bogotá e outros 90 nas cidades de Cali e Medellín no final de 2019. A meta nacional para 2030 é ter 600 mil veículos elétricos de todos os tipos, segundo o Pnuma relatório.
Costa Rica e Panamá são outros países da região que adotaram planos nacionais de mobilidade elétrica. Argentina, México e Paraguai estão elaborando suas próprias estratégias.
O Brasil, que poderia liderar esse processo até mesmo como fabricante de veículos elétricos, “fica para trás” na eletrificação, disse Maluf, acrescentando que “a BYD vendeu 1.045 ônibus na América Latina em 2019, dos quais apenas 4% foram para o Brasil”.
“O Chile é um exemplo disso; já era um grande importador de ônibus convencionais da indústria brasileira ”, disse Oliveira, que comanda o Grupo de Veículos Pesados da ABVE, além de comandar a Eletra. “Por causa de sua miopia, o Brasil perdeu o mercado latino-americano para a China.
“Precisamos de uma política pública de transporte elétrico, que não seja apenas ambiental, mas também econômica, porque o Brasil pode ser líder, tendo em vista nossa grande frota, nossa indústria nacional de peças de reposição e nossa tecnologia nacional”, afirmou.
Objetivos claros, financiamento disponível, tributação mais favorável que leve em conta os benefícios ambientais, sociais e de saúde, incentivos à produção local de baterias e a expansão da infraestrutura de recarga devem fazer parte desta política, disse Oliveira.
Depender de baterias importadas provou ser uma armadilha. De repente, ficaram escandalosamente caros por conta da desvalorização de 35% da moeda brasileira, o real, neste ano, destacou.
Em sua opinião, a corrida por baterias de maior capacidade não é o único caminho a seguir. Outra opção é criar mais estações de carregamento e usar baterias menores. “Expandir a infraestrutura e usar baterias menores faz mais sentido, se você puder carregá-las com mais frequência”, disse Oliveira.
Maluf afirmou que não se justifica mais afirmar que não há postos de recarga suficientes para argumentar contra o aumento do número de veículos elétricos no Brasil. Existem pelo menos duas rotas de veículos elétricos, uma na rodovia mais movimentada do país entre o Rio de Janeiro e São Paulo, e há estações de recarga espalhadas em outros lugares.
Além disso, as baterias podem ser carregadas rapidamente hoje, em meia hora, e em apenas 15 minutos, 70 por cento da capacidade pode ser alcançada, disse ele.
A falta de familiaridade com a tecnologia é o principal fator que impede a propagação da eletromobilidade, disse Maluf.
Também há resistência e pressão política de interesses arraigados na indústria de transporte, como a indústria automotiva tradicional, produtores de etanol, distribuidoras de combustível e empresas de ônibus urbanos.
No entanto, a eletrificação está progredindo em diferentes áreas. Motocicletas, bicicletas e scooters elétricas estão crescendo rapidamente em cidades que estão se adaptando a novas modalidades.
O transporte de cargas também está gradualmente aderindo à nova tendência. O “retrofit” de caminhões para substituir os motores diesel por motores elétricos é o novo negócio em expansão da Eletra.
No Brasil, predominam os veículos elétricos híbridos.
O relatório do Meio Ambiente da ONU reconhece apenas 2.045 veículos elétricos registrados no Brasil até outubro de 2019. Mas ele só conta os veículos elétricos plug-in e exclui os híbridos que funcionam com um motor de combustão interna e um motor elétrico que usa energia armazenada em baterias, responsáveis por mais de 90 por cento da frota eletrificada.
As estatísticas da ABVE somam 30.092 veículos elétricos matriculados de 2012 a junho de 2020. O número de veículos cadastrados triplicou em 2019 em relação ao ano anterior, para 11.858. Os híbridos representaram 95,4 por cento do total em 2018.
Diversidade de opções é o melhor roteiro, dadas as necessidades e vantagens locais, argumentou Oliveira. Adicionar uma pequena bateria a um trólebus, por exemplo, dá a ele flexibilidade que reduz o custo operacional, disse ela.
Novos modelos de negócios também promovem soluções. Compartilhamento de veículos, aluguel de veículos, geradores elétricos e associação de distribuidoras de energia ao transporte urbano são algumas alternativas.
O modelo chileno que separa os proprietários dos ônibus de seus operadores é interessante, pois atrai fundos de investimento para a compra de veículos em grande escala, a custos mais baixos e facilita a solução de conflitos, disse Maluf.
Fonte: Matéria cedida pela Eletra/IPS