Estudo coletou amostras de cabelo de 287 indígenas do subgrupo Ninam, do povo Yanomami, e apontou que todos eles vivem sob exposição do metal altamente tóxico ao ser humano, e que é usado em garimpos ilegais. Pesquisa foi realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Por Yara Ramalho, Samantha Rufino, g1 RR — Boa Vista
Pesquisadores da Fiocruz estiveram em comunidades na Terra Yanomami — Foto: Fiocruz/Divulgaç
Indígenas de nove comunidades da Terra Indígena Yanomami têm alto nível de contaminação por mercúrio, alerta um novo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Socioambiental (ISA). A pesquisa, divulgada nesta quinta-feira (4), aponta que 94% dos indígenas que participaram da pesquisa estão contaminados pelo metal pesado.
O estudo coletou amostras de cabelo de 287 indígenas do subgrupo Ninam, do povo Yanomami, e revelou que os indígenas que vivem em aldeias mais próximas aos garimpos ilegais têm os maiores níveis de exposição ao mercúrio.
As comunidades que participaram da pesquisa ficam às margens do Rio Mucajaí, um dos mais impactos pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami. Localizada no Amazonas e em Roraima, o território abriga 31 mil indígenas, que vivem em 370 comunidades.
➡️ O povo Yanomami é considerado de recente contato com a população não-indígena e se divide em seis subgrupos de línguas da mesma família, designados como: Yanomam, Yanomamɨ, Sanöma, Ninam, Ỹaroamë e Yãnoma.
🔎 As amostras foram coletadas em outubro de 2022 nas comunidades Caju, Castanha, Ilha, Ilihimakok, Lasasi, Milikowaxi, Porapi, Pewaú e Uxiú, todas na região do Alto Rio Mucajaí. A escolha das aldeias atendeu um pedido da Texoli Associação Indígena Ninam.
Das 287 amostras de cabelo examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 μg/g (micrograma). Outros 10,8% ficaram acima de 6,0 μg/g. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os níveis de mercúrio em cabelo não devem ultrapassar 1 micrograma por grama.
Pesquisadores coletaram amostras de cabelo — Foto: Fiocruz/Divulgação
⚠️ Os pesquisadores destacam que indígenas com níveis mais elevados de mercúrio apresentaram déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência.
“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, explica o coordenador do estudo, Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz.
Mercúrio usado em garimpos. — Foto: Ipen/Divulgação/Arquivo
O estudo “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente” também realizou a coleta de células de mucosa oral, o que totalizou cerca de 300 pessoas analisadas.
Todos os examinados, incluindo homens, mulheres, crianças, adultos e idosos apresentaram níveis de mercúrio no corpo.
Além da detecção do mercúrio, a pesquisa fez exames clínicos para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão.
Ao cruzar os dados, foi observado que, nos indígenas com pressão alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 μg/g são mais frequentes do que nos indígenas com pressão arterial normal.
As 9 comunidades analisadas (veja mapa abaixo), no entanto, não são as únicas afetadas pela contaminação por mercúrio.
Em outra pesquisa, divulgada em 2016, a Fiocruz já havia revelado o alto nível de mercúrio entre os Yanomami.
À época, a Fundação apontou que indígenas de três comunidades próximas ao Rio Uraricoera, umas das principais vias fluviais de acesso à garimpos ilegais no território, tinham alto nível de mercúrio no organismo, com 92,3% de contaminação.
Em março de 2022, uma perícia da Polícia Federal também realizada a partir da coleta de amostras de cabelo revelou que indígenas de 14 regiões na Terra Yanomami estavam contaminadas por mercúrio.
Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), explica que o novo estudo comprova ainda mais a contaminação dos povos indígenas pelo metal e reforça que o garimpo ilegal é o principal causador das mortes e doenças que assolam os Yanomami.
Pesquisadores coletaram amostras de cabelo — Foto: Fiocruz/Divulgação
“Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na Terra Yanomami e que comprova que os nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave! As nossas crianças estão nascendo doentes. As mulheres estão doentes, os nossos velhos estão doentes! O nosso povo está morrendo por causa do garimpo”, ressaltou.
“O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessário e urgente a desintrusão, a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta!”, disse Dário Kopenawa.
Todos os examinados, incluindo homens, mulheres, crianças, adultos e idosos apresentaram níveis de mercúrio — Foto: Fiocruz/Divulgação
Fonte G1