Em setembro de 2010, foi publicada a Resolução Normativa nº 414 da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, que estabeleceu que as distribuidoras de energia elétrica que ainda estivessem operando e mantendo ativos de iluminação pública deveriam transferir tais ativos aos municípios.
A competência municipal para a titularidade dos ativos de iluminação pública (luminárias, lâmpadas, relés e reatores) e da prestação dos respectivos serviços públicos fundamenta-se na Constituição Federal, que, em seu artigo 30, V, atribui aos municípios os serviços públicos de interesse local – entre os quais se enquadram inequivocamente os de iluminação pública, cuja finalidade é de prover claridade aos logradouros públicos.
Desse modo, a elaboração de projetos, a implantação, a expansão, a operação e a manutenção das instalações de iluminação pública e do parque luminotécnico das cidades são de responsabilidade do poder público municipal, ou ainda de quem tenha recebido deste a delegação para prestar tais serviços.
Uma das possibilidades de realizar essa delegação é por meio de parceria público-privada, especialmente na modalidade administrativa – a PPP administrativa –, tal como vem ocorrendo crescentemente no país, sendo esse um dos setores promissores da infraestrutura, especialmente pelo grande potencial de demanda e também pela estruturação financeira do serviço de iluminação pública, que pode permitir aos investidores privados maior segurança para tais parcerias.
As PPPs administrativas são atualmente reguladas pela Lei nº 11.079/2004, sendo uma espécie de concessão de serviço público por meio de um contrato entre a administração pública e a concessionária privada constituída pelo vencedor da prévia licitação. Esses contratos podem ter de 5 a 35 anos, devem envolver investimentos de, no mínimo, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), podendo incluir aquisição de equipamentos e/ou realização de obras, sendo que os bens e a infraestrutura vinculada ao serviço deverão reverter ao parceiro público ao término da PPP.
No setor de iluminação pública, diversos contratos de PPP já foram celebrados, alguns em importantes municípios como Belo Horizonte/MG e Mauá/SP, sendo que há dezenas de licitações atualmente em andamento e na iminência de celebração de novos contratos, inclusive em grandes cidades e capitais. Há também importantes ações do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do IFC/Banco Mundial na estruturação de novos projetos atrativos à iniciativa privada.
A remuneração do parceiro privado nas PPPs administrativas é um ponto relevante para os investidores. Isto porque, em tais PPPs, não há arrecadação de tarifas diretamente dos usuários finais, apenas a contraprestação pecuniária paga pela administração pública, com a possibilidade de obtenção de receitas acessórias.
Sob esse aspecto, uma das vantagens do setor de iluminação pública é a existência da COSIP (ou CIP), contribuição para o custeio da iluminação pública, paga pela população. Sendo uma contribuição, a COSIP é espécie de tributo cuja receita está vinculada ao custeio do serviço de iluminação pública. Foi criada por meio da Emenda Constitucional nº 39/2002, que introduziu o art. 149-A na Constituição Federal, cujo parágrafo único prevê expressamente a possibilidade de cobrança da COSIP na fatura de consumo de energia elétrica.
Daí advêm duas circunstâncias bastante positivas para as PPPs administrativas em iluminação pública: (i) o município dispõe da receita da COSIP para o pagamento da contraprestação pecuniária do parceiro privado, não podendo, inclusive, usar essa receita para outros fins diversos do custeio desse serviço; e (ii) a inadimplência do contribuinte é baixa, uma vez que a COSIP é cobrada conjuntamente na conta de energia elétrica, a qual geralmente é paga, considerando-se a possibilidade de corte do fornecimento, em caso de inadimplemento.
Não basta a previsão constitucional para a cobrança da COSIP pelos municípios – necessária também uma lei municipal específica instituindo e regulando o tributo. Tal lei deve ser bem elaborada e prever uma cobrança que contemple suficientemente os custos da iluminação pública (e da PPP, se for o caso). Atualmente mais de 85% dos 5.571 municípios já cobram a COSIP, valendo notar, todavia, que, em aproximadamente 30% dos que cobram, a COSIP não é suficiente, o que deveria ser revisto em tais casos. De qualquer modo, a arrecadação da COSIP vem crescendo paulatinamente.
Numa PPP administrativa, o município contratante pode (e deve) usar a receita da COSIP para pagar a contraprestação pecuniária à concessionária privada e também para constituir garantias para a hipótese de inadimplemento das obrigações públicas (tais garantias também podem ser constituídas com outras receitas e bens, se necessário). Entende-se que tal contraprestação deve remunerar os custos com a infraestrutura de iluminação pública (luminárias, lâmpadas, relés e reatores) e a telegestão, sendo que outros serviços devem ser pagos por receitas acessórias.
As receitas acessórias de uma PPP administrativa podem ser atrativas, especialmente com as muitas possibilidades (presentes e futuras) de serviços relativos a smart cities, por ex. O parceiro privado pode utilizar a infraestrutura de iluminação pública para a instalação de outros equipamentos que possibilitem a prestação de serviços diversos, arrecadando, assim, receitas complementares. O contrato de PPP deve prever a forma de compartilhamento desses ganhos extraordinários com o parceiro público, de modo que possa haver benefícios para todos, com satisfatório atendimento dos interesses privados e públicos.
Assim, em uma PPP de iluminação pública, o parceiro privado receberá a contraprestação pecuniária do município contratante e, por outro lado, obterá receitas acessórias de terceiros a quem prestar serviços diversos daqueles especificamente configurados como o serviço público de iluminação, com a utilização da infraestrutura existente.
O fluxo de pagamento da contraprestação pecuniária pode ocorrer da seguinte forma: a receita da COSIP, dada sua natureza tributária, permanece de titularidade do município, sendo arrecadada pela distribuidora de energia elétrica atuante na cidade. A distribuidora repassa os respectivos valores para uma conta vinculada ou fundo municipal, pela/o qual será paga a contraprestação mensal à concessionária privada. Se após o pagamento da contraprestação ainda houver saldo positivo, esses valores remanescentes podem ser destinados ao município ou, se for o caso, a uma conta garantia.
Um outro ponto relevante nas PPPs de iluminação pública diz respeito à eficiência energética a ser buscada e à conta de energia elétrica da iluminação pública do município. O propósito é que a utilização de lâmpadas e equipamentos mais eficientes e tecnologicamente atualizados gere iluminação de mais qualidade e com menos gasto de energia elétrica.
No contrato de concessão, deverá ser atribuído ao município ou a concessionária privada a obrigação de arcar com o pagamento da conta de energia de iluminação pública da cidade. Independentemente de quem será essa obrigação, devem existir incentivos para que esse custo seja reduzido, o que será benéfico seja para a equação econômico-financeira da PPP, seja para os cofres públicos.
A medição do consumo de energia elétrica da iluminação pública é feita de acordo com regras da ANEEL, sendo que recentemente tem sido discutida a revisão dessas regras, de modo que, nas situações em que não há medição instalada da distribuidora e o consumo é estimado a partir da carga instalada e do período de utilização (a medição por avença), haja uma melhor aferição estimada, com ganhos econômicos para o consumidor (no caso, o município e toda a população).
Também têm sido discutidas junto a órgãos como INMETRO e ABNT regras referentes a equipamentos utilizados na iluminação pública, sua certificação e outros aspectos tecnológicos que possibilitem o melhor emprego possível desses equipamentos para uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos.
Verifica-se, portanto, que muitas e importantes mudanças têm ocorrido no setor de iluminação pública, com o amadurecimento de muitas questões tangenciais e o desenvolvimento crescente de projetos em que a iniciativa privada poderá atuar com ganhos para todas as partes envolvidas.
Uma iluminação pública satisfatória e adequada está comprovadamente relacionada a melhorias significativas na segurança pública, na redução de acidentes de trânsito, na melhor ocupação dos espaços públicos, na valorização das fachadas dos monumentos e sítios históricos e do turismo local, e no aumento da atividade econômica na cidade. Parcerias público-privadas nesse setor podem representar um relevante avanço de qualidade de tais serviços públicos, com sustentabilidade econômico-financeira e realização do interesse público envolvido.
* Vanessa Rosa, diretora de Relações Institucionais da ABCIP – Assoc. Brasileira das Concessionárias Privadas de Iluminação Pública e sócia de Infraestrutura, Direito Administrativo e Ambiental do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados
Fonte: ABCIP